A realização do ENEM 2021, exame que permite a entrada na faculdade para milhões de brasileiros, está próxima. Porém, as semanas antes da prova estão bem conturbadas. Em meio à grande crise política, continuação da pandemia - que já apresenta melhora em decorrência da vacinação - e crise econômica, o governo federal está sendo acusado de tentar alterar a prova, retirando e adicionando questões específicas.
O caso ficou tão sério que, no início do mês de novembro, a algumas semanas do ENEM, quase 40 funcionários se demitiram, com fortes acusações contra o governo. Vem entender tudo o que está rolando nessa grande (e séria) polémica!
Demissão em massa
No início de novembro, 37 funcionários do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) pediram demissão, incluindo profissionais muito importantes na hierarquia. Os cargos de todos os servidores estavam ligados ao ENEM e à realização do exame.
O grupo justificou a demissão em massa pela "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima", de acordo com comunicado oficial. Além disso, tiveram denúncias de assédio moral ao atual presidente do Instituto, Danilo Dupas - que inclusive, presta depoimento ao Senado nesta quarta-feira (17).
Interferência na prova
Parte dos funcionários que se demitiram afirmaram que o governo federal estava ativamente interferindo na prova. De acordo com os servidores, foi exigido a retirada de questões polêmicas, envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, que ao que tudo indica tentará reeleição em 2022. Para isso, servidores afirmam que foi utilizada pressão psicológica e vigilância.
O Ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que a demissão foi por questões financeiras e garantiu que o governo não interfere na produção da prova. Porém, o presidente da Associação dos Servidores do Inep, Alexandre Retamal, negou que esse foi o motivo.
"Os servidores tomaram essa atitude – e esse movimento continua dentro do Inep, com servidores se manifestando – porque hoje o Inep vive em um ambiente de desconfiança, insegurança e de insatisfação", disse Retamal.
Acusação de censura
Mais do que sugerir alterações no ENEM - o que, por si só, já seria grave - funcionários afirmaram ao "Fantástico" que foram surpreendidos pela presença de um policial federal. De acordo com servidores, a prova é feita em local de alta segurança, em que funcionários precisam passar por detectores de metais e estão constantemente vigiados por câmeras. Porém, em 2 de setembro, muitos afirmam que, pela primeira vez, um policial federal - que não fazia parte do processo - estava presente.
Muitos dos profissionais presentes consideram a ação como uma estratégia de intimidação. "O Inep precisa explicar como essa pessoa foi parar lá dentro, quem autorizou a entrada, o que ele fez, que nível de controle a gente tem das informações que ele acessou lá", afirmou um servidor ao Globo.
Prova com "a cara do governo"
Durante sua temporada em Dubai, o presidente Jair Bolsonaro falou com a imprensa brasileira na última segunda-feira (15) e fez declarações polêmicas. "Começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém precisa ficar preocupado. Aquelas questões absurdas do passado, que caíam tema de redação que não tinha nada a ver com nada. Realmente, algo voltado para o aprendizado", afirmou Bolsonaro.
Provavelmente, o presidente faz referência a alguns temas políticos que já marcaram presença no exame - como violência contra à mulher e acesso à cultura, o que, de acordo com Bolsonaro, não "tinham nada a ver". Outro ponto que chamou atenção, claro, é a inclinação por provas com "a cara do governo", frase proferida pela mesma pessoa que defendia profundamente ideais como "Escola sem Partido". Incoerente, no mínimo.
Vale lembrar que nesta quarta-feira (17), presidente voltou a afirmar que não teve acesso às questões do ENEM.
Menor índice de inscritos
O ENEM 2021 conta com a infeliz marca de menor números de inscritos em mais de uma década. De acordo com os profissionais, o índice reflete a desigualdade entre escolas públicas e privadas, que se acentuou ainda mais durante a pandemia e com a introdução do ensino à distância. Levando em conta que um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet em casa, de acordo com Agência Brasil, não é surpresa imaginar que muitos sofreram grande perda de conteúdo didático entre 2020 e 2021.
Ou seja, além da crise política e acusações de censuras no ENEM, muitos estudantes têm que lidar ainda com a desigualdade econômica - que agravou durante a pandemia e justifica, por exemplo, o avanço da fome que já atinge mais de 19 milhões de brasileiros.