Durante o Festival BeautyCon, em 2018, Zendaya falou sobre sua realidade como mulher negra de pele clara. Para pessoas brancas, isso pode parecer um pouco confuso, afinal, não costumam reparar o tom de branco na pele, se é mais puxado para o amarelo ou vermelho ou qualquer coisa do tipo... É tudo branco e pronto. Porém, quando se vive em uma sociedade extremamente racista, o quão preta sua pele é, pode mudar tudo. E foi isso que a estrela de "Homem-Aranha" explicou.
"Eu sou a versão aceitável de menina negra para Hollywood e isso precisa mudar. Nós somos vastamente lindas e muito interessantes para só eu ser a representação disso", afirmou a atriz, que vai estrelar grandes filmes neste ano, como a adaptação de "Duna".
Por não ter a pele retinta como muitas pessoas, o racismo que Zendaya sofre pode vir de formas diferentes, mais atenuadas. Por ter a pele mais clara, ela é "socialmente aceita" em mais lugares, conseguindo maiores papéis e falas nas produções. Essa é a definição de colorismo, que afirma que pessoas da mesma raça podem ser tratadas diferentemente dependendo do quão claro for a pele.
É evidente que isso não diminui a negritude de Zendaya ou desmerece o racismo que ela sofre, é apenas mais uma prova que vivemos em um mundo que quer, a todo custo, embranquecer a população - mesmo que inconscientemente.
"Eu entendo meu privilégio", afirma Zendaya
"Como uma mulher negra de pele clara, é importante usar meu privilégio, minha plataforma para mostrar o quanto de beleza temos na comunidade afro-americana", completou Zendaya durante o evento. Portanto, por conseguir transitar por mais espaços, a atriz vê a necessidade de trazer atenção para outras pessoas negras que, muitas vezes, são excluídas pela pele escura ou traços físicos que remetem ainda mais à negritude.
"Infelizmente, eu tenho mais privilégios do que meus irmãos e irmãs de pele mais escura. Eu posso dizer que já experienciei o mesmo racismo e a mesma luta que uma mulher de tom de pele mais escura? Não, não posso", afirmou Zendaya à Cosmopolitan em 2016.
Quando falamos do Brasil, local onde mais de 52% da população se considera preta ou parda, de acordo com o IBGE, o tema pode ser ainda mais complicado.
O colorismo e a miscigenação no Brasil
O Brasil, desde o começo da colonização de Portugal no século XV, foi se tornando um país miscigenado. Negros africanos, brancos europeus e indígenas do Brasil se tornaram pais e mães de muitas pessoas, o que aos poucos foram tornando as divisões entre as raças mais subjetivas. É claro que, nos livros da escola, muito disso é passado sob discurso de democracia racial, para mostrar como cada um de nós carrega um pouco dessa história e como isso é bonito.
Na prática, não é bem assim. A maioria das relações entre homens brancos e mulheres negras ou indígenas foi por meio de violência sexual, principalmente porque várias estavam em situação de escravidão. Também vem a "necessidade" dos colonizadores de embranquecer o país, fazendo com que cada geração viesse com bebês mais brancos. E isso, apesar de parecer um pensamento arcaico, é uma lógica que dura até os dias de hoje.
Muitas famílias negras, conscientemente ou não, desejam que seus filhos, netos e sobrinhos se relacionem com brancos - até mesmo para garantir uma "vida melhor" para os bebês do casal. Por outro lado, famílias de maioria branca podem encarar com certa resistência a junção de um filho com uma pessoa negra. É o racismo e a política de embranquecimento, que ganham força com o colorismo e o tratamento diferenciado que negros de pele clara têm.
Muitos negros de pele clara têm dificuldade de se identificar
Nessa história, muitos brasileiros acabaram literalmente no "meio termo" entre brancos e negros. Há muitos estudiosos da área que não gostam do termo pardo, acreditando que seria uma forma de evitar chamar pessoas pretas do que elas, de fato, são. Por outro lado, alguns argumentam que isso acaba por excluir pessoas negras de pele clara que não são lidas como pessoas brancas, mas não se sentem confortáveis em assumir o "título" de preto.
É um debate muito complexo, que carrega várias opiniões diversas. Para o IBGE (que reconhece o termo pardo), o que conta é a autodeclaração, sem necessidade de comprovar ascendência ou algo do tipo. Portanto, trata-se de uma questão pessoal, de identidade. Já alguns concursos, que oferecem cota para pessoas negras, podem ter bancas avaliadores, a fim de evitar que inscritos claramente brancos, que nunca se declararam pardos, se beneficiem disso.
Mais uma vez, é um assunto sem resposta certa e, exatamente por essa necessidade de embranquecer as pessoas, muitos negros de pele clara se consideram brancos - sem perceber que estão apagando uma parte importante de sua história, raça e identidade. Assim como Zendaya deseja, o objetivo da maior parte do movimento é ver mais pessoas pretas nas telas, propagandas, em cargos de chefia e em posição de poder - principalmente os negros de pele escura retinta.