Por Victor Viana
Preta Caminhão: a influenciadora Jamine Miranda conta que precisou se assumir lésbica e caminhoneira
Preta Caminhão: a influenciadora Jamine Miranda conta que precisou se assumir lésbica e caminhoneira
No Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, o Purebreak conta a história de Jamine Miranda, a dona do perfil Preta Caminhão. Além do difícil processo de se assumir LGBT, a mineira ainda precisou enfrentar outros obstáculos para se aceitar 100%: se despir da feminilidade que lhe foi imposta e ressignifcar o termo caminhoneira.

Faz três anos que Jamine Miranda adotou o codinome Preta Caminhão e começou a criar conteúdo para internet. Mesmo após se entender como lésbica, a jovem de 28 anos passou por um outro processo de aceitação até sentir orgulho de quem realmente é. O conceito de feminilidade que conhecemos nunca agradou muito a mineira, o que fez com que ela precisasse se "assumir" uma segunda vez. Apesar de muita gente ainda compreender como algo pejorativo, foi o termo caminhoneira que libertou Jamine.

"Quando eu me entendi lésbica, ainda me colocava nessa questão da feminilidade imposta. Eu já me sentia mais confortável por entender que eu gostava de mulheres, mas ainda olhava a minha imagem e não gostava do que eu via. Hoje percebo que o fato de me entender enquanto caminhoneira foi um processo libertador mesmo, sabe?", conta influenciadora digital. Porém, engana-se quem acha que tudo isso foi fácil.

"Nossa, além de preta é sapatão"

"Foi difícil o meu entendimento enquanto uma lésbica caminhoneira porque é isso, a gente vive em uma sociedade em que eu já sofro por ser uma mulher, já sofro pelo fato de ser uma mulher negra e uma mulher lésbica", relata. "Eu já escutei várias vezes 'nossa, além de preta é sapatão'. Então, não foi fácil me soltar dessas amarras da feminilidade pois entendia que, se eu não estivesse nesse lugar, eu não receberia afeto, cuidado, carinho ou amor", completa Jamine, que hoje em dia já nem se reconhece mais em fotos antigas.

Foi em 2016 que a influenciadora começou a colocar na própria cabeça que não dava mais para viver daquele jeito e a "virada de chave" ocorreu em 2017, quando, entre muitas coisas, raspou a cabeça e criou a página Preta Caminhão. "Eu falei: 'vou ser o que eu sou e pagar o preço que tiver que pagar pra ser o que eu sou, da forma que eu sou, da forma que eu gosto'", relembra. Bom, pelo visto deu certo, né? Além da sua página no Instagram, que já conta com quase 15 mil seguidores, Jamine possui o PretaCast, outro espaço onde também divide as suas vivências.

Produzo conteúdo, logo existo

Mesmo quando já estava à vontade com a sua aparência, Jamine ainda se incomodava com o fato de não ver outras mulheres iguais a ela no seu feed. A mineira sempre curtiu moda e usava a internet para buscar referencias de roupa e estilo, porém, nunca encontrava muita coisa. "Não achava mulheres parecidas comigo, com o meu corpo. Eu sentia muita falta dessa representatividade", declara. E foi assim que surgiu o Preta Caminhão.

"Inicialmente, meu rolê era para falar sobre moda, para indicar roupa. Era isso que eu queria. Só que, na medida que o Preta foi se desenvolvendo, fui trazendo pautas da minha vida, coisas que eu passo enquanto uma mulher que não cumpre essa feminilidade imposta", explica. "O que me motivou a criar conteúdo na internet foi a representatividade, foi a falta de ver mulheres como eu e de ter essa inspiração na minha vida", relata.

A partir da própria comunidade que criou com as suas seguidores e seguidores, a mineira percebeu como é importante sentir que faz parte de algo. "É incrível porque a produção de conteúdo na internet me fez acreditar muito no meu trabalho", conta. "Essa questão também ajudou a me ver bonita. Por exemplo, moda é um rolê que eu amo, mas nunca me vi nesse lugar. E se hoje posso trocar alguma ideia com alguém que realmente está interessado em saber o que eu acho sobre moda, pra mim é incrível. É eu entender que existe um lugar pra mim no mundo [...] Um lugar onde vou conhecer outras minas pretas e caminhoneiras. Eu não me sinto sozinha", completa.

Jamine, que também é historiadora e Mestra em Educação, pegou gosto pelo trabalho de criar conteúdo, mas admite que não é uma tarefa fácil. "A maior dificuldade, e aí eu me coloco nesse lugar de uma mulher negra e lésbica produzindo conteúdo, é que as pessoas enxergam a pessoa preta como uma cota única. No sentido de que a gente tem que revezar esse mesmo lugar. Por exemplo, eles sempre querem uma pessoa preta por vez produzindo. Então, é como se a gente ficasse revezando o mesmo lugar e não colocando mais pessoas negras, mais mulheres negras criando", reflete.

E a visibilidade lésbica?

Apesar de junho ser o Mês do Orgulho LGBTQIA+, sabemos que muitas pautas ficam apenas concentradas na letra G, assim como em todo os meses. Por isso que existem outras épocas do ano para falar separadamente de cada parte da sigla. Foi no dia 29 de agosto de 1996 que rolou o 1º Seminário Nacional de Lésbicas e justamente por isso o mês é voltado para discutir todas as questões que englobam a letra L. Mas, para Jamine, a visibilidade lésbica só deixará de ser teoria quando as pessoas realmente se mostrarem interessadas em compreender as demandas da comunidade.

"Na minha opinião, o que falta pra questão da visibilidade lésbica se tornar algo real, são as pessoas realmente terem interesse nas nossas pautas, nas nossas vivências. Muitas vezes nós só somos procuradas no mês de agosto ou quando acontece algum evento extraordinário. Eu vejo que as pessoas não tem um real interesse de entender as nossas questões", reflete.

E é justamente por isso que Jamine acredita que lésbicas precisam e devem criar conteúdo para a internet, principalmente as negras. "Eu acho muito bom ter mulheres lésbicas produzindo conteúdo e espero que tenha cada vez mais. Mas eu sinto que as pretas ainda são uma pequena parcela. A gente conta nos dedos, basicamente de uma mão, quais são as pretas lésbicas que estão produzindo conteúdo na internet. A gente precisa mostrar que tem voz", conclui.

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